quinta-feira, 19 de julho de 2007

[ aquarela ]

Manhã. Uma estrada longa e sinuosa contorna morros e vales até sumir no horizonte. No céu, do azul mais claro, borrões brancos disformes deslocam-se na velocidade do vento, as bordas multicoloridas pela luz de um Sol explosivo, pungente.
Na estrada, apenas o barulho do "motor 1.0" corajoso o bastante para comprar briga com eventuais ônibus e caminhões pelo caminho.
Janelas abertas, mas a ventania não incomoda: agrada.
Ao volante, cabelos raspados, pele morena, óculos escuros. A voz desafinada acompanha as músicas do Lenny Kravitz no aparelho de som.
No banco do carona, apenas a mala cheia de roupas e alguns livros. Gramática britânica e Direito.
O motorista observa o verde que cerca o caminho através das lentes escuras do Ray Ban, num misto de ansiedade, inquietação, angústia e do prazer provocado pelo rock`n roll.
Está só.
Queria que aquela música em especial durasse por toda a viagem. Que o Sol continuasse naquela mesma posição. Que o céu permanecesse daquele jeito, as nuvens também.
E que a estrada, ao menos dessa vez, o levasse por algum caminho diferente, que nunca percorrera antes.

domingo, 4 de março de 2007

[ filosofia de boteco ]

"Love? Overestimated. You can get the same feeling by eating a box of chocolate"
--Al Pacino em "Advogado do Diabo"

[ Papo de boteco, outro dia. Homens e mulheres sentados à mesa.]

(...)
--- Mas o amor, pra homem, é diferente. Homem gosta de trair. [moça]
--- O que? Não acredito nisso que to ouvindo, não. E mulher, não trai, não, né....? [rapaz]
--- hehehe [moça]
--- Eu acho que tanto pra homem quanto pra mulher é tudo a mesma coisa. Ta todo mundo no mesmo barco. Acabou virando um sentimento banalizado. Hoje em dia dá pra forjar amor, sabia? Dá pra fingir que sente amor e, no fim, sentir mesmo. Amor condicionado. Se por acaso, algum dia, acabar o “motivo”, o amor acaba. [rapaz]
--- O motivo? [moça]
--- É, pô. Na maioria das vezes é jogo de interesses. E tem de todo tipo de interesse, por isso não to falando “interesse” por mal não. Tenta entender. Você fica com uma pessoa porque ela, sei lá, tem dinheiro. Ou então porque é bonita e você vai subir no conceito dos amigos. Você fica com alguém porque ele ou ela te dá atenção e por aí vai. Mas se algum dia o dinheiro acabar, a beleza acabar ou a pessoa parar de dar atenção, a chama apaga, sacou? Nesse sentido que acho que é forjada a parada. [rapaz]
--- E o que seria o amor verdadeiro pra você? Tipo, interesse todo mundo tem, ué. Você sempre ta com alguém porque esse alguém te oferece alguma coisa em troca, é assim que funciona. [moça]
--- Sei lá. Acho que o amor verdadeiro seria o mais próximo da amizade verdadeira. Posso ta viajando, não sei. Mas o amigo verdadeiro não impõe condições. Ele ta do teu lado quando você ta com dinheiro ou sem, quando ta gordo ou magro, bonito ou feio. Ele sabe que situações vêm e vão. A tempestade sempre passa. Não importa o que você tem, mas o que você é. E também porque ele sabe que o sentimento é recíproco. Você faria o mesmo por ele. [rapaz]
--- Amor forjado. Gostei dessa. Mas o verdadeiro ta muito difícil de achar, sô. [moça]
--- É. Assim como amigos verdadeiros também. [rapaz]
--- Quero um amor verdadeiro. [moça]
--- Eu também. [rapaz]

E ficaram os dois olhando pro nada uns cinco segundos, antes de alguém começar a falar de Vasco e Flamengo.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

[ a veia punk ]

Todo mundo tem uma veia punk. O padre na igreja que parece um santo e aparentemente nunca falou nada mais alto do que o “amém” no fim de cada oração. A virgem que freqüenta os cultos do tal padre todos os domingos. Eu. Você.
É tudo uma questão de se soltar.
Deus criou Eva a partir da costela de Adão e deu aos dois uma veia punk. Eu descobri a minha tem umas duas semanas.
Estávamos eu e mais dois camaradas num dos mais famosos carnavais do Brasil, dividindo um Lucky Strike e uma garrafa de “Vod-cola”, de pé, a observar a multidão saltitante que se espalhava pela rua. Eis que três mulheres surgiram na nossa frente falando alto, gesticulando. Estavam de costas pra nós. Imediatamente ( não nos culpem, era carnaval), após uma breve análise dos três espécimes a uns passos de nós, decidimos que não valeria a pena uma investida para conhecê-las.
“Por que?” – me perguntam.
Bom, a resposta é simples. Eram feias. Não, eram muito feias. Desengonçadas, de cabelos desgrenhados, bêbadas.
“Mas era carnaval” – argumentam.
É verdade. Se fossem desengonçadas, de cabelos desgrenhados, bêbadas e bonitas... O espírito carnavalesco correria solto, mas infelizmente, não rolou. Não que estivéssemos nos achando grande coisa. Não sou lá nenhum Brad Pitt. Aposto que pra muitas mulheres naquela noite (e tive provas disso), nós é que éramos os peixes-bois desengonçados, bêbados e feios. Mas a vida é assim. Perde-se uma pra ganhar duas na frente.
Pois bem, lá estávamos nós a fumar e a beber, tentando enxergar através das bêbadas, quando percebemos que elas aproximavam-se de nós, como que de forma despretensiosa, ainda de costas. Nós trocamos olhares. Um amigo levantou a sobrancelha, desconfiado.
“Bartucada” bombando na madrugada e elas estavam cada vez mais perto.
Cautelosamente, demos uns passos pra trás e o óbvio aconteceu: elas aproximaram-se ainda mais.
Momentos depois, uma delas virou-se sorridente, saltitante, feia. Apontou pro cara do meio (eu) e fez um sinal com o dedo indicador ( aquele que fazemos pra chamar alguém pra perto de nós ).
Eu, tímido, retribuí com outro sinal: balancei as mãos e a cabeça gentilmente, em negação.
Foi então que a moça comentou alto pras colegas:
“Frouxo”
Se aquele cenário fosse um filme, os espectadores poderiam ouvir as palavras saindo da boca da fêmea, numa tomada em close, seus dentes amarelados mostrando-se e escondendo-se atrás dos lábios pregados, a voz engrossada pelo efeito de “câmara lenta”:
“FRO - U - XO”
Tudo ao redor diminuiria de velocidade, para dar ênfase à resposta que se seguiu ao comentário feito por ela, numa fração de segundo:
“Feia”.
Não me batam, mas foi isso que eu respondi. Ela, que sorria vitoriosa, murchou como uma lesma no sal, me encarou brava de relance e puxou as amigas feias pra longe.
Os dois ao meu lado entreolharam-se por um momento e depois caíram na gargalhada. Eu nem sabia o que dizer. Não queria ofender a menina, mas fazer o quê.
É a veia punk.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

[sente-se, jovem e apenas fale]

[ Fim de semana de bobeira em casa + muitas músicas do Ben Harper = rascunhos em folhas já usadas de cadernos antigos.]

Sonhos. Partidos, quebrados, criados, refeitos. Sonhos que guiam ou que obrigam a soltar as rédeas. Futuro que não chega nunca. Passado que teima em não ir embora. E o presente. Realidade. Intermitente. Morna, bastante reveladora e um tanto sem graça. Porque agora a imagem no espelho é refletida diferente. Não se vê aquilo tudo. O futuro não é presente. É apenas futuro. Incerto, surdo e mudo, tão intangível quanto tem que ser. O vidro não reflete sonhos. E nem o que queremos ser, mas é incrível como se pode olhar e ver apenas o que se quer ver. Espelho, espelho meu... Não me mostre meus sonhos, que estes já sei de cor. Não me mostre a Lua de amanhã, se basta olhar pra cima pra ver a Lua de hoje. E o ontem... O ontem é uma armadilha. Não quero que o tempo volte. Saudosismo saudável não existe, pois quando lembro do ontem, perco o hoje. Deixo de construir meu amanhã. Espelho meu... Me mostra só o que sou.... Que eu guardo o passado e tranco com carinho, escondo a chave em algum lugar. Pra abrir um dia, quem sabe... Talvez quando o amanhã chegar.