Eu escrevo desde muito novo. Minha mãe guarda uns recortes de um jornalzinho que a minha escola tinha, escola infantil, onde colocavam uns textinhos feitos por mim lá e ela tem o maior carinho por isso. Mais tarde, na mesma escola, participei de festivais de poesias, que eram competições saudáveis organizadas pela instituição, abertas a todos os alunos. Os julgadores eram jornalistas da cidade e professores de português e literatura da escola. Mais escolas deviam fazer isso, acho que é uma iniciativa bacana. Não guardei as medalhas desses festivais (eles presenteavam os 3 primeiros colocados com livros e medalhas), mas tenho quase certeza que minha mãe guarda umas fotos em algum lugar.
À medida que fui ficando mais velho, diminuí o ritmo de prática. Quando adolescente eu lia muitos gibis e jogava muito RPG e acho que escrevia mais naquela época. Depois de velho, faculdade, trabalho e farra acabam fazendo com que a escrita fique relegada a momentos de solidão. Pelo menos é assim para mim. Stephen King disse uma vez que escrever para ele é uma terapia, que se não estivesse escrevendo, estaria se drogando ou tomando remédios. Exageros à parte, acho que concordo com ele. Quando namoro, não escrevo. (Rs!) Mas, quando solteiro, produzo mais e tenho mais tempo para ler também. Hoje não leio mais gibis, o que é uma pena, mas ainda tento encaixar livros de ficção no meio dos montes de livros acadêmicos (uma tarefa difícil!).
Esses tempos, resgatei uma história que tinha escrito há uns dois anos atrás e estou revisando o texto para começar a mandar para editoras. Tenho lido muito sobre o mercado editorial também e, ao que parece, publicar um livro não é nada fácil no Brasil.
Enfim, estou fugindo do assunto. O que eu queria dizer quando comecei o post é que se a gente não pratica, enferruja. Tem um tempo que não escrevo nada e estou me sentindo extremamente enferrujado! rs! Para remediar isso, além de aumentar o ritmo de leituras, nada melhor do que exercícios:
Chacina na Garagem
Pedro observava o horizonte através de sua janela. Seu semblante era uma mistura de cansaço e contemplação. Trabalhava no décimo andar de um prédio sofisticado no centro da cidade e, para ele, não havia lugar melhor para assistir ao pôr do sol do que a janela de seu escritório. O dia tinha sido longo, até mesmo para um advogado de seu calibre, que já não precisava colocar tanto a mão na massa - ele era o dono do escritório, patrão de outros cinco profissionais e mais um sem número de estagiários. Havia passado a tarde inteira no fórum, representando um de seus clientes ilustres em uma audiência longa e desgastante e retornara para o escritório tão logo o ato terminara. Seu cliente sagrara-se vencedor, o que já era rotina para ele, e os honorários que receberia serviriam para bancar uma viagem ao exterior com a mulher e os dois filhos no fim do ano.
Afrouxou o nó da gravata, bebericando os últimos goles de café na xícara que segurava. O céu já estava escuro lá fora, era hora de ir para casa.
Em menos de cinco minutos, arrumou toda a papelada de sua mesa, jogou fora o que não iria mais servir. Guardou dois autos de processos em sua pasta de couro legítimo, vestiu o paletó e saiu.
O escritório estava vazio, todos já tinham ido para casa. Pedro cruzou a sala de recepção, revirando um molho de chaves que sacara do bolso. Alcançou a porta, apagou as luzes e desembocou no corredor, trancando o escritório em seguida. Aquele era um prédio comercial. Seus vizinhos eram empresários de todos os tipos: de dentistas a donos de companhias de importação. Estranhamente, não havia ninguém no corredor também. Ele já estava acostumado com o movimento daquele lugar, o prédio parecia pulsar como um ser vivo. Pessoas passavam para lá e para cá o tempo todo, gente apressada falando ao telefone ou carregando contratos importantes. O movimento ali não parecia ter hora nunca para acabar, mas não naquela noite. Naquela noite tudo estava calmo e silencioso.
Pedro deu de ombros e caminhou sozinho até o elevador, ouvindo o som de seus sapatos contra o chão, o que ele achou divertido. Não se lembrava de outra ocasião em que aquilo tivesse sido possível: o barulho naquele corredor era uma cacofonia que para ele era agradável.
Entrou no elevador e apertou um botão no painel da parede. As portas se fecharam com um som metálico e logo ele estava em movimento, descendo até o nível subterrâneo da garagem. O elevador tinha uma caixa de som no teto, bem discreta, que sempre tocava músicas instrumentais de grandes mestres como Bach e Beethoven, mas, estranhamente, naquela noite os furinhos lá no teto emitiam um barulho irritante de estática, como o som de uma estação de rádio que tivesse subitamente saído do ar. Era um som incômodo que fez Pedro olhar no relógio com uma súbita impaciência para sair daquela pequena clausura.
Dez segundos depois, o transporte de metal chegou ao seu destino, a porta dupla se abrindo com mais um click impessoal. Pedro deu dois passos para fora do elevador, as sobrancelhas arqueadas em uma expressão pensativa.
A garagem era um enorme espaço com paredes pintadas até a metade com tinta amarela e preta, bem como marcações no chão para indicar as vagas. Pilastras também pintadas se espalhavam pelo lugar como árvores, como se aquilo fosse uma floresta de concreto. O que fez Pedro parar de andar, contudo, era o fato de que não havia luz. As luzes estavam completamente apagadas e ele mal conseguia ver um palmo à sua frente.
- Que diabo! - Pensou.
Aquilo nunca acontecera antes. A pouca claridade se extinguiu quando as portas do elevador atrás de si se fecharam, mais uma vez o click metálico como uma badalada de sino, que parecia zombar dele.
Pensou em retornar para o elevador, mas não lhe adiantaria nada. Ele estava cansado, tinha tido um dia duro. Só queria ir para casa e descansar. Sacou o telefone celular e usou o aparelho como uma lanterna improvisada.
Não havia movimento ali. Nenhum som de carros sendo ligados, nenhum ruído de pneus deslizando pelo chão. Portas não eram abertas e fechadas e as únicas passadas que se fizeram ouvir eram as suas, que aumentavam de cadência a cada segundo que ele se dava conta de que estava sozinho.
Por um momento, esqueceu-se de onde tinha guardado o carro e apertou um botão no chaveiro para desativar o alarme do veículo, o que inevitavelmente entregaria sua localização.
A uns vinte metros dele um carro preto e elegante, nacional de luxo, emitiu dois ruídos compassados de buzina.
- Pronto. - Aliviou-se.
Subitamente ansioso, Pedro apressou-se em direção ao veículo, mas algo no meio do caminho fez com que parasse. Alguma coisa ou alguém acabara de passar muito perto dele, de modo que ele sentira que algo roçava em suas costas. Virou-se assustado, o celular a postos como uma lanterna, sem, contudo, ver ninguém. Em seguida, ouviu passos. Alguém corria por ali, não muito longe dele. Quem quer que fosse, correu e parou.
Pedro começava a se alarmar de verdade, o coração acelerando-se de repente. Ignorou a curiosidade e a sua caminhada em direção ao carro se transformou num trote desesperado.
Revirou as chaves em sua mão, mas o molho escapuliu e caiu no chão com um barulho irritante. Pedro se abaixou para pegá-as e, novamente, sentiu que alguém passava por trás de si.
Num movimento colérico, girou o corpo, o braço que segurava a pasta esticado para servir de arma, mas só o que ele atingiu foi vento.
--- Quem está aí? - Perguntou.
Não houve resposta. Ouviu mais passos. Não era só uma pessoa que se escondia naquela escuridão, havia mais gente. Havia um pequeno bando ali que só podia estar querendo assaltá-lo ou matá-lo ou os dois, não necessariamente nessa ordem. Era só o que faltava. Ele acabara de derrotar um advogado implacável em uma audiência não muito tempo atrás, impressionara juiz e promotor com sua habilidade, ganhara uma bolada de dinheiro para perder tudo daquele jeito ridículo, sozinho e esquecido numa garagem subterrânea.
Seu coração era uma bomba dentro de seu peito, cada batida um som de tambor. Alguém se aproximava novamente. Ele podia sentir. Passos e uma respiração irregular, talvez tão ansiosa quanto a sua. Pedro apanhou as chaves às pressas e correu até o carro. O desconhecido seguiu-o.
Ele chegou até o carro, que já estava destrancado desde que ele apertara o botão do alarme. Alcançou a porta. Havia alguém bem atrás dele e iria pegá-lo a qualquer momento.
Num último rompante de desespero, Pedro cerrou os punhos. Assim que tocassem nele, iria distribuir uns socos. Ele não sabia nada de briga, mas era um guerreiro, sempre fora, durante toda a sua vida. Não iria morrer como um covarde. Virou-se, encostando as costas na porta, os punhos cerrados. Suava frio.
As luzes se acenderam, uma claridade que invadiu seus olhos e cegou-o momentaneamente. Pedro deixou a pasta cair no chão e esfregou os olhos com as mãos. Abriu-os.
De trás das pilastras e de todos os cantos do lugar, pessoas saíam, como que saindo de esconderijos. Estavam agachados ou espremidos contra as paredes e relaxavam os corpos agora, todos com sorrisos nos lábios. Carregavam salgados, refrigerantes e doces. Alguns tinham presentes nas mãos, embrulhados em papéis chamativos.
À sua frente, um de seus estagiários, um menino magricela que estava no último ano do curso de Direito segurava um bolo de chocolate numa bandeja de plástico e sorria:
--- Surpresa! Feliz aniversário!
Pedro arriou os ombros com um suspiro, deixando o ar escapar lentamente por sua boca semi-aberta. A tensão foi embora num segundo e ele coçou a nuca, envergonhado. Permitiu-se sorrir. Pelo jeito, assim como o dia, a noite também seria longa. Sentiu-se grato por isso.